sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Poemas Eróticos

A bunda que engraçada

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,
rebunda.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Entrevista.





Metalinguagem

O fazer poético de Drummond consiste em extrair da palavra os seus vários significados e descobrir nela “o seu poder de silêncio” , que significa eclipsar o seu real sentido , tendo de cavar o significado do poema dentro do seu lirismo contido.
Não se pode por na poesia a banalidade do cotidiano, sentimentalismo e abrir mão do clichê literário.



Procura da Poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.


Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.


Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.


O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.


Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.


Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.


Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.


Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?


Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Eu x Mundo

Na produção poética de Drummond, alguns estudiosos interpretam os poemas dele em três fases distintas e subsequentes.

Eu Maior que o Mundo:

Um homem Gauche, esquisito, torto, que se estende ao lado esquerdo do palco, sem envolvimento observando o mundo, frustrado, olhando para o Todo com seu envergonhado, irônico e enorme sentimento, para aquele que ainda não viveu os dramas da vida.



Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode,
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.




Eu Menor que o Mundo:

Drummond capta o sofrimento social, a desunião, as classes diante de um mundo frio e sistemático, e a visão do Homem-coisa,



Os Ombros Suportam o Mundo


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


Eu Igual ao Mundo

Produção metafísica “Drummondiana”, em que ele interpreta o mundo interrogando-o, analisando-o, negando-o, fechando-se para o nada da existência.

O enterrado vivo

É sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.
É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.
É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.
É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.
Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência

No meio do Modernismo, tinha um Drummond.

Não há como começar a falar do “poeta da pedra”, sem antes citar a Semana de Arte Moderna, que ocorreu na década de vinte e trouxe a legião de poetas modernistas. Entre eles, Carlos Drummond de Andrade, que no ano de 1928 lançou na Revista de Antropofagia o poema “No Meio do Caminho”, que causou escândalo não só nesse mas dois anos depois publicado no primeiro livro do poeta, Alguma Poesia. Drummond é considerado atemporal, por isso a poesia que foi polêmica ainda causa debates e especulações. A mais célebre poesia de Drummond é sem métrica e com versos repetidos, motivo para muitos comentários. Pedra é o obstáculo e por mais que você vença a primeira pedra, sempre virão outras, por isso a repetição. Assim, na simplicidade das palavras,o poeta traz aos leitores a interpretação da vida.


No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.




Um Homem Feito de Palavras.

Nasce um mineiro. Da cidade de Itabira, levaria o silêncio que pairava no ar, aderindo muito mais ao escrever que o falar. De lá também, viriam à vida serena e o seu olhar. Era filho de pais burgueses, como se disse, e educado no temor de Deus. Saiu de sua cidade sem que ela saísse dele, jovenzinho, insubordinou-se assim, sem se vender, já que a nova escola tramou de tratá-lo baixo, pela grandeza de suas ideias. Cresce. Agora redator do Diário de Minas. Cresce meio apertado: pelas linhas, páginas, pelo não-verso. Pela moldura que houve de pregar após os anos de Odontologia e Farmácia que serviriam para tanto somente. Mas foi. Perscrutando, agindo e ganhando, como amigo de Andrade e de Bandeira, como modernista n’A Revista Antropofagia, como marido, ainda que com meio-amor. Como professor, como pai ¬¬– agora, sim, com muito amor. Também, viu-se virar um grande assunto, já que a pedra em seu caminho era justamente como as dos sapatos de alguns. Desta publicação viriam as críticas, conhecê-las-ia quando moço, e só. Segue. Funcionário público, pacato por excelência, financia o primeiro livro. Alguma Poesia. Vai se tornando grande sempre simples, cotidiano e intérprete do homem. Era também crítico e muito sensível, deu uma rosa ao povo, com formas livres e fixas. Ainda, era fiel defensor do momento de inspiração: respirou, transpirou e suspirou: a morte de sua filha poucos dias depois fez-nos descobrir que ultrapassara a última pedra no caminho e escrevera o último poema. E assim viveu, como homem feito de palavras,CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE.

Carlos Drummond de Andrade – Cronologia


• 1902 - nasce em Itabira – MG (“Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro” – “Confidência do Itabirano”)
• 1919 - Expulsão do Colégio Anchieta: “insubordinação mental”. Perdeu a fé naqueles que o julgavam
• Primeiros trabalhos publicados no Diário de Minas;
• 1924 - Escreve carta a Manuel Bandeira, manifestando-lhe sua admiração. Conhece Blaise Cendrars, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Mário de Andrade. Pouco tempo depois inicia a correspondência com Mário de Andrade, que durará até poucos dias antes da morte de Mário.
• 1925 - Funda A revista, que teve três números, expressando as idéias modernistas.
• 1925 - Formou-se em Odontologia e Farmácia (“Fico apenas na moldura/ do quadro de formatura”)
• Casa-se com Dolores Dutra de Morais
• 1926 - leciona Geografia, redator do Diário de Minas e do Minas Gerais
• No mesmo ano, 1927: Nasce e morre seu primeiro filho Carlos Flávio
• Drummond publica na Revista de Antropofagia o poema “No meio do caminho”, provocando furor no meio literário;
• 1930 - publica seu primeiro livro Alguma Poesia
• 1934 - Brejo das Almas. Muda-se para o Rio de Janeiro para trabalhar no gabinete do ministro da Saúde e da educação.
• 1940 - Sentimento do mundo
• 1942 - Poesias
• 1945 - O gerente e A rosa do povo
• 1987 - No dia 5 de agosto, depois de 2 meses de internação, falece sua filha Maria Julieta, vítima de câncer. "E assim vai-se indo a família Drummond de Andrade" - comenta o poeta. Seu estado de saúde piora. 12 dias depois falece o poeta.